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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Medição Invasiva do Gasto Cardíaco nas Unidades de Cuidados Críticos

O gasto cardíaco, bem como a forma como se executa a sua medição, é um dos conceitos que devo interiorizar muito bem durante o decorrer deste ensino clínico, dadas as características dos doentes críticos que costumam ingressar na Reanimação.

Desta forma, esta reflexão, sobre Medição Invasiva do Gasto Cardíaco nas Unidades de Cuidados Críticos, é uma forma de aprender o que é o gasto cardíaco, de que factores está dependente, qual o propósito de se avaliar o gasto cardíaco, o que é que se avalia e como se avalia.


O gasto cardíaco é, segundo TORRIJOS (2006), o volume de sangue bombeado pelo coração, mais especificamente, pelo ventrículo esquerdo, para a artéria aorta em cada minuto, podendo expressar-se pela seguinte fórmula:

Gasto Cardíaco (GC) = Volume de Ejecção (VE) x Frequência Cardíaca (FC), 
sendo que o valor final é expresso em litros por minuto (L/min.).

O valor do gasto cardíaco varia consoante a idade, a estatura física, a actividade física exercida e o metabolismo corporal de cada pessoa contudo, para um adulto saudável, calcula-se que o valor do gasto cardíaco seja, em média, de 5 litros por minuto, valor esse que se reduz entre 10 a 20 % para as mulheres.

A par deste valor é sempre importante o cálculo do Índice Cardíaco (IC), que no fundo é o valor do gasto cardíaco pela superfície corporal de cada pessoa, expressando em litros por minuto, por metro quadrado (L/min./m2).

A avaliação do gasto cardíaco, como parte da monitorização cardíaca faz-se com os seguintes objectivos:
  • Manter e adequar a perfusão sanguínea e a oxigenação dos tecidos;
  • Diagnosticar falhas ventriculares;
  • Diagnosticar e controlar disfunções específicas, a nível pulmonar e cardíaco;
  • Controlar os efeitos da administração de fluídos e de fármacos vasoactivos.
Como já foi referido anteriormente, os valores de gasto cardíaco podem ser influenciados por múltiplos factores externos no entanto, internamente, o gasto cardíaco é regulado por dois conjuntos de factores, ou seja, os factores intrínsecos, decorrentes do sistema cardiovascular, e os factores extrínsecos, regidos pelo sistema nervoso autónomo. Dentro dos factores intrínsecos, ligados ao coração, consideram-se os seguintes conceitos:

  • Lei de Frank-Starling;
  • Retorno Venoso;
  • Pré-carga;
  • Pós-carga.

Lei de Frank-Starling


A Lei de Frank-Starling estabelece que, dentro de limites fisiológicos, o coração é capaz de se adaptar e de bombear diferentes volumes de sangue que recebe do retorno venoso, ou seja, quanto maior for o volume de sangue nos ventrículos durante a diástole, maior será o volume de sangue ejectado durante a sístole, pelo que maior será a força de contracção do miocárdio.

Este mecanismo ocorre porque o aumento do volume sanguíneo durante a diástole promove a distensão das fibras do músculo cardíaco, levando a que haja uma contracção cardíaca mais forte, sempre dentro de limites fisiológicos.

De uma forma simples, quanto maior for o volume de retorno venoso, maior será a força de contractilidade do coração.

Retorno Venoso

O Retorno Venoso é, segundo TORRIJO (2006), o volume de sangue que flui desde as veias até à aurícula direita, em cada minuto.

Pré-Carga

Este conceito pode ser definido como o volume ventricular telediastólico, ou seja, é o volume de sangue existente no ventrículo no final da diástole. O valor da pré-carga depende de vários factores, tais como a volémia, a distribuição sanguínea, a posição corporal, a pressão intra-torácica, etc.

De uma forma mais simplificada, quando as aurículas estão cheias de sangue, as válvulas mitral e tricúspide , que separam a aurícula esquerda do ventrículo esquerdo e a aurícula direita do ventrículo direito, respectivamente, abrem-se para que o sangue flua para os ventrículos, o que vai fazer com que a pressão intra-ventricular comece a aumentar.

Como estas válvulas não se cerram, a pressão intra-ventricular aumenta até se igualar à pressão intra-auricular, pelo que no final da diástole ventricular, estas pressões são iguais, coincidindo com a Pré-Carga.


Pós-Carga

A pós-carga é a resistência que o miocárdio tem que vencer, durante a contracção ventricular, para conseguir abrir a válvula aórtica e bombear para a artéria aorta e daqui para a circulação sistémica.

Tendo em conta o local de avaliação, o conceito de pós-carga pode coincidir com outros dois conceitos diferentes. Por outras palavras, a pós-carga é a pressão arterial quando nos referimos ao ventrículo esquerdo, pelo que podemos dizer que equivale à pressão diastólica da artéria aorta contudo, a pós-carga também pode coincidir com a pressão pulmonar, quando nos referimos ao ventrículo direito.

Pós-Carga no Ventrículo Direito = Pressão Pulmonar
Pós-Carga no Ventrículo Esquerdo = Pressão Arterial

A pós-carga é influenciada por dois tipos de resistências: as resistências vasculares sistémicas ou periféricas, quando nos referimos ao ventrículo esquerdo e as resistências vasculares pulmonares, quando nos referimos ao ventrículo direito, resistências estas que, por conseguinte, podem ser afectadas pela viscosidade do sangue e pelo raio dos vasos sanguíneos, que é regulado pelo sistema nervoso autónomo.

O sistema nervoso autónomo actua sobre o músculo liso das paredes dos vasos e engloba o sistema simpático e o sistema parasimpático, que contraem e dilatam os vasos, respectivamente.

Factores Extrínsecos

Como referi anteriormente, os factores extrínsecos englobam o sistema nervoso autónomo, que regulam o raio dos vasos sanguíneos. 

O sistema simpático, quando estimulado pelo seu neurotransmissor, a noradrenalina, provoca a  vasoconstrição, aumentando a resistência vascular. Este fenómeno vai então desencadear, a nível arterial, um aumento da pressão arterial e a nível venoso, irá favorecer o retorno venoso, além de que aumenta a frequência cardíaca e a contractilidade do músculo cardíaco.

O sistema parasimpático, cujo neurotransmissor é a acetilcolina,  provoca a vasodilatação, diminuindo a resistência vascular e consequentemente, a pressão arterial, a frequência cardíaca e a contractilidade do miocárdio.

Após a definição de alguns conceitos fundamentais para uma melhor compreensão da fisiologia do gasto cardíaco, é importante saber em situações está indicada a avaliação do gasto cardíaco e como se procede a essa avaliação.

A avaliação do gasto cardíaco está indicada em três situações distintas, ou seja, em situações perioperatórias, em situações intra-operatórias e em reanimação no entanto, no contexto de ensino clínico, apenas vou falar sobre esta última indicação.

Dentro desta última indicação, a avaliação do gasto cardíaco pode ter uma função diagnóstica, de monitorização ou para se realizar um estudo hemodinâmico do decurso de um tromboembolismo pulmonar. 

Na unidade de Reanimação, a avaliação do gasto cardíaco é feita, quase exclusivamente, para monitorizar pacientes hemodinamicamente instáveis, com falhas multiorgânicas, com enfartes recentes associados a outras patologias, com politansfusões, com hemofiltros, etc. e pode realizar por quatro vias diferentes, ou seja:        
  • Catéter da artéria pulmonar ou catéter Swan-Ganz;
  • Sistema PICCO;
  • Sistema Vigileo;
  • Sistema Nico.
Apesar de existirem todas estas opções de avaliação do gasto cardíaco, aqui somente importa falar das duas primeiras vias, uma vez que são as vias utilizadas na unidade de Reanimação para a avaliação deste conceito.

Catéter da Artéria Pulmonar ou Catéter Swan-Ganz

O Swan-Ganz é um catéter que é introduzido no corpo humano através de uma veia de grande calibre (veia subclávia, a jugular ou a veia femoral) e cujo extremo proximal fica alojado na aurícula direita e o extremo distal na artéria pulmonar.

Pela sua apresentação dentro do coração, este catéter permite avaliar a funcionalidade cardíaca (pré-carga, pós-carga e gasto cardíaco), a oxigenação dos tecidos e a pressão da artéria pulmonar.

A avaliação do gasto cardíaco por esta via efectua-se com base no princípio da termodiluição, uma vez que o catéter possui um termístor que avalia continuamente a temperatura corporal a nível do extremo distal do catéter, ou seja, ao se injectar um volume conhecido de soro frio pelo extremo proximal, o termístor detecta a alteração de temperatura no sangue, alteração essa que se regista em forma de curva.

A curva de alteração da temperatura do sangue é proporcional ao fluxo de sangue que sai do coração no entanto, para se avaliar o gasto cardíaco, é necessário introduzir-se no monitor cardíaco o valor de uma constante, dependente do volume de soro introduzido, da sua temperatura e das características do catéter. Esta manobra de injecção de soro frio deve ser repetida algumas vezes, sempre pela mesma pessoa, para depois se fazer a média entre cada valor de gasto cardíaco obtido.

Sistema PICCO

A avaliação do gasto cardíaco por esta via é tão válida quanto pela via anterior contudo, o processo de avaliação é um pouco diferente.

Para se avaliar o gasto cardíaco por esta via é necessário um catéter venoso central e um catéter arterial de 4F de 16 cm, que pode ser introduzido pela artéria femoral ou axilar. É também necessário um valor de referência obtido da termodiluição arterial, através da aplicação do algoritmo de Stewart-Hamilton, que consiste em introduzir um volume de 10-15 ml de soro fisiológico ou glicosado a uma temperatura de -4ºC. pela via central.

O termómetro situado na linha arterial detecta a alteração da temperatura, registando-se numa curva de termodiluição arterial. O gasto cardíaco obtém-se multiplicando a área a baixo da referida curva pela frequência cardíaca.

O soro frio, desde que se injecta na corrente arterial até chegar ao transdutor arterial, que deve estar sempre ao nível do coração, atravessa as cavidades torácicas, pelo que é possível a avaliação de determinados parâmetros por termodiluição arterial que não se obtêm pela via anterior, como por exemplo o volume de sangue intra-torácico, que corresponde à pré-carga e representa o volume total de sangue pulmonar e o volume telediastólico das quatro cavidades do coração.

Conclusão

A avaliação do gasto cardíaco, pela sua importância nas unidades de cuidados críticos, é um conceito que deve ser bastante bem interiorizado e constantemente actualizado, uma vez que, com o avanço da tecnologia, se estão a desenvolver novos métodos de medição deste valor, cada vez menos invasivos mas também, mais complexos.

Para mim, a realização desta reflexão foi de extrema importância, uma vez que através dela consegui perceber o conceito de gasto cardíaco e todos os outros que lhe estão associados, assim como entendi a fisiologia da medição do gasto cardíaco.

No entanto, não posso deixar de referir que tive algumas dificuldades em assimilar todos estes conhecimentos, uma vez que este é um tema muito complexo e que requer muita auto-formação, muitos esclarecimentos de dúvidas junto de enfermeiros mais experientes e muita prática a nível da avaliação propriamente dita.

Em suma, espero que este possa ser um documento útil para consulta em caso de dúvida, tanto para mim como para outras pessoas.

Bibliografia

TORRIJOS, J. Gonzalez. Medición Invasiva del Gasto Cardíaco en las Unidades de Cuidados Criticos. Enfermería en Cardiologia. Nº38 (2º Quadrimestre, 2006) 30-35.




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